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IA revoluciona a rotina dos advogados, mas também fecha portas

Após se tornar quase onipresente na rotina dos advogados, a inteligência artificial está elevando alguns escritórios brasileiros a um novo patamar de tamanho, faturamento e fatia de mercado. Bancas de médio porte que largaram na frente estão entre os casos mais notáveis: há alguns anos, vêm diversificando sua atuação para transformar suas áreas de TI em verdadeiras fábricas de software jurídico, e usaram sua experiência para abrir "legaltechs" que operam paralelamente à atividade principal.


Os grandes escritórios também estão atentos aos movimentos da concorrência e, com capital de sobra para investir, rapidamente se adaptaram aos novos tempos, aumentando exponencialmente sua capacidade, mas deixando pelo caminho um rastro de advogados desempregados ou desvalorizados.


Uma pesquisa realizada pelo Ibre (Instituto Brasileiro de Economia), da FGV-RJ (Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro), publicada em julho constatou que 39% de empresas de todos os setores no Brasil já se valem de recursos de IA em suas atividades. Desse universo, 60% das companhias entrevistadas avaliam que houve significativo aumento de produtividade


O economista Rodolpho Tobler, pesquisador do Ibre e um dos autores do estudo, acredita que, no caso dos escritórios de advocacia, esse número seja muito maior, chegando próximo à totalidade. "Os advogados agora têm facilidade para ler volumes gigantescos e identificar padrões com mais facilidade do que um humano julgando", afirma.


Pente-fino nas decisões judiciais


A IA é capaz de vasculhar as decisões públicas do Judiciário brasileiro, incluindo sentenças, normas e informações sobre o andamento dos processos, para criar peças jurídicas sob medida para os casos que estão sobre a mesa do advogado. A IA também analisa tudo o que o escritório já produziu a respeito de determinado cliente, ou os materiais que este disponibiliza ao escritório, para entender como o cliente deseja que seu processo seja gerido, por exemplo. Até e-mails trocados com os contratantes, que podem conter informações estratégicas ou o histórico de algum caso, são automaticamente avaliados pela IA.


Segundo Tobler, outros usos possíveis incluem a busca por argumentos e provas que se mostraram mais eficazes em processos similares, produção de documentos e por aí vai. Até o perfil do advogado da contraparte, o profissional "rival", é analisado atualmente pela inteligência artificial em qualquer contencioso.


A utilização de ferramenta também permite o controle e a gestão mais eficientes de enormes quantidades de processos, como os das práticas trabalhistas e de casos de consumidores processando companhias aéreas, a última moda nos tribunais pelo país. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aponta que atualmente existem mais de 84 milhões de processos tramitando nos tribunais brasileiros.


Mais que escritório, uma empresa de TI


Um dos escritórios mais beneficiados com a introdução desta ferramenta no mundo jurídico foi o Mandaliti Advogados, uma banca paulista especializada em processos trabalhistas. Em 2013, o escritório foi pioneiro nessa área ao fundar a "legaltech" Finch, que hoje conta com 840 funcionários e atende diversos segmentos. "A nossa IA gerencia nossas ações ou atua com outros escritórios sem ferramenta própria, que assinam o serviço da Finch para usar inteligência artificial", explica Renato Mandaliti, sócio-fundador. "Hoje, crescemos até 20% ao ano e reduzimos o número de advogados de mil para 300 profissionais, para atuarem em 300 mil processos."


Outro escritório que se antecipou ao mercado foi o carioca Lima & Feigelson. Há 15 anos, a banca se especializou em prestar serviços jurídicos para startups digitais. Um dos sócios, Bruno Feigelson, acabou por pensar na própria digitalização de sua banca e, em 2016, fundou a Lawgic, além de também criar uma escola online, a Future Law, que já treinou 40 mil alunos no Brasil. Na outra ponta, entre outras facilidades, a Lawgic criou soluções que se adaptam aos softwares de gestão das grandes corporações, o que facilita a extração de dados e o gerenciamento do contencioso. "O mercado jurídico é competitivo, e quem não acompanhar vai perder espaço", afirma o sócio Bruno Feigelson.


Já o advogado especializado em licitações Gustavo Schiefler, sócio do escritório que leva seu sobrenome e que começou em Santa Catarina, criou o Licito.Guru. Esse sistema, baseado em IA, permite a criação automática de documentos para licitações. Tudo à luz das obras sobre contratos públicos do professor Joel Niebuhr, da UFSC, especialista em Direito Administrativo, que se tornou sócio no negócio. Entre os clientes, estão municípios, autarquias e órgãos públicos, incluindo os Ministérios Públicos da Bahia e de Rondônia. "Crescemos a uma taxa de mais de 180% ao ano, e a rentabilidade do escritório aumentou quase 260% com essas inovações", celebra Schiefler.


Grandes escritórios


Entre os maiores escritórios do país, a inteligência artificial também já é uma realidade. "O momento atual se assemelha ao boom dos IPOs [abertura de capital das empresas] no início dos anos 2000 e, antes disso, ao ciclo das privatizações que aconteceram nos anos FHC", afirmou o presidente-executivo do escritório Demarest, José Diaz. "Em ambas as ocasiões, os escritórios que estavam atentos cresceram fortemente. Com a IA, deve acontecer o mesmo."


Para Diaz, houve uma mudança no perfil dos advogados que os escritórios, inclusive o Demarest, buscam atualmente. "Não basta dominar a lei. Tem que entender de negócios, de inovação, de ESG [práticas socioambientais] e de relacionamento com o cliente."


O Mattos Filho, outro gigante entre as bancas de advocacia, a partir de 2022, desenvolveu um programa interno que vem promovendo, entre outros, o uso da IA. "Nosso investimento em tecnologia é da casa de alguns milhões de reais", explica o sócio-diretor Pedro Dias. O Mattos Filho é o único dos escritórios que revela o faturamento: R$ 1,7 bilhão em 2024, com um crescimento de 14% frente ao ano anterior. A banca conta atualmente com mais de 1.300 profissionais, entre eles 700 advogados.


Tïto Amaral de Andrade, CEO do Machado Meyer, outro gigante do direito brasileiro, afirma que o escritório lançou em 2024 a plataforma de inteligência artificial generativa chamada Machado Meyer Insights. "Usamos IA especialmente nas frentes que lidam com grandes volumes de dados e tarefas repetitivas, em que a tecnologia ajuda a organizar melhor as informações, ganhar escala e padronizar entregas", explica Andrade.


Considerado o maior escritório do Brasil, o Pinheiro Neto afirma que se prepara para ver a IA ocupando um papel mais central nas atividades da banca. "O advogado continuará sendo absolutamente indispensável, mas o mercado jurídico vai exigir um novo tipo de profissional", sintetiza o sócio José Mauro Machado.


Para os pequenos, um aliado e uma ameaça


Na contramão do otimismo demonstrado pelos chefes dos grandes escritórios, o presidente da seção paulista da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Leonardo Sica, considera que o número de oportunidades para advogados vai diminuir com a presença cada vez maior da IA nos próximos anos. Por outro lado, novas vagas relacionadas ao direito e à tecnologia serão comuns em muito breve. "Nós vamos ter a abertura de campos de trabalho novos. Engenheiro de conhecimento jurídico, engenheiro legal, tecnólogo legal são coisas que eu vejo já acontecendo num futuro próximo."


Sócio em um pequeno escritório no Recife, Rodolfo Almeida Oliveira conta que já sente os impactos da IA em suas atividades de advogado especializado em direito imobiliário. "Sei de advogado que está cobrando menos da metade do preço de tabela da OAB para fazer um contato de venda ou locação, porque o cliente já chega com o contrato pronto feito pelo ChatGPT e diz que não precisa pagar tanto." Apesar disso, Oliveira vê um futuro de oportunidades com a chegada da ferramenta. "Sou otimista, mas também sou realista: com a IA, se vamos ter de cobrar mais barato, por outro lado aumenta a produtividade. Hoje levo até 24 horas para fazer o que antes fazia em uma semana", comenta Oliveira, cujo escritório tem um faturamento líquido mensal de aproximadamente R$ 12 mil por advogado. O escritório tem cinco profissionais.


Mas há casos também em que a tecnologia sopra a favor também dos pequenos. É o caso de André Menescal, que abriu há dez meses um escritório especializado em representar planos de saúde e já conta com 140 advogados sob seu comando. Com 11 sócios, o escritório de Menescal projeta faturar R$ 25 milhões este ano, com mais de 40 mil ações em carteira. Num campo em que os temas das ações se repetem com incrível regularidade, a banca usa as ferramentas Corejur, ChatGPT Enterprise e Gemini para auxiliar seus clientes.


Menescal não chegou a demitir advogados por conta da automação dos processos, mas deixou de contratar substitutos quando alguém deixa a banca - o que representa 10% a 20% do total de profissionais por ano. Para atingir esse grau de eficiência, o escritório investiu cerca de R$ 1 milhão para contratar técnicos de TI, desenvolver ferramentas customizadas e treinar os profissionais para usarem a IA.


"A inteligência artificial vai gerar novas oportunidades, especialmente na área de litígios e na análise preditiva [prever os resultados das ações judiciais]", comenta. "Mas, sim, já ouvi donos de escritórios falando que iriam demitir por conta da IA, pois, se a IA tá pousando avião sozinha, porque não poderia fazer a análise de um contrato de aluguel sem a participação de um advogado?"



 
 
 

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