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DIREITO DE TRÂNSITO - A ILEGALIDADE DAS NOTIFICAÇÕES VIA SNE NOS PROCESSOS DE SUSPENSÃO E CASSAÇÃO

Nos últimos anos, a crescente digitalização dos processos administrativos trouxe inovações significativas no âmbito do Direito de Trânsito. Dentre essas inovações, destaca-se a Resolução CONTRAN nº 931, que regulamenta o Sistema de Notificação Eletrônica (SNE), um mecanismo criado com o intuito de modernizar e agilizar a comunicação das infrações de trânsito e suas respectivas penalidades.


O SNE é um meio de comunicação virtual que permite a recepção e o envio de notificações e documentos em formato digital, mediante adesão prévia dos proprietários de veículos e condutores habilitados. O sistema é certificado digitalmente e deve atender aos requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade.


A resolução dispõe sobre as responsabilidades dos órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito (SNT) quanto ao uso do SNE, incluindo a disponibilização de notificações de autuação, penalidades de multa, advertências por escrito, defesa prévia, recursos administrativos, entre outros. A adesão ao sistema é opcional para os proprietários e condutores, que devem manter seus cadastros atualizados.


Entretanto, observa-se uma lacuna normativa significativa quanto à possibilidade de notificação das penalidades de suspensão e cassação do direito de dirigir por meio do SNE.


Conforme o art. 4º da resolução, as notificações permitidas pelo SNE incluem:


  1. Notificação de autuação;

  2. Notificação de penalidade de multa;

  3. Notificação de penalidade de advertência por escrito;

  4. Interposição de defesa prévia;

  5. Interposição de recursos administrativos de infrações de trânsito;

  6. Resultado de julgamentos;

  7. Indicação de condutor infrator;

  8. Resultado da identificação do condutor infrator.


O rol é taxativo, portanto, a utilização do SNE para a notificação de penalidades que não estão explicitamente previstas na Resolução nº 931, como nos processos de suspensão e cassação da CNH, constitui uma violação do princípio da legalidade.


Logo, os DETRANs que começaram a interpretar a Resolução 931 de forma extensiva, utilizando o sistema para notificar condutores nos processos de suspensão e de cassação, estão praticando ato administrativo ilegal, com a consequente violação do direito de ampla defesa dos condutores, o que deve levar ao cancelamento desses processos administrativos.


Corroborando com este entendimento, o art. 5º da Resolução CONTRAN nº 931 dispõe que:


Art. 5º Considera-se expedida a notificação de autuação, para fins de cumprimento do prazo de trinta dias de que trata o inciso II do parágrafo único do art. 281 do CTB, a efetiva disponibilização da notificação no SNE, devendo essa informação ser registrada no sistema.


O dispositivo acima é específico para a notificação de autuação referente à penalidade de multa, excluindo a notificação de autuação no processo de suspensão do direito de dirigir, prevista no § 2º do art. 281 do Código de Trânsito Brasileiro:

Art. 281, § 2º O prazo para expedição da notificação da autuação referente às penalidades de suspensão do direito de dirigir e de cassação do documento de habilitação será contado a partir da data da instauração do processo destinado à aplicação dessas penalidades.


Resta evidente que a Resolução 931 regulamentou apenas o processo de notificações nas multas de trânsito, deixando de regulamentar o processo de suspensão e cassação, que devem seguir o rito normal, com a notificação pessoal do infrator via correspondência postal e posteriormente via edital, para não entrar em conflito com a Resolução 723, que determina:


Art. 10. O ato instaurador do processo administrativo de suspensão do direito de dirigir de que trata esta Resolução, conterá o nome, a qualificação do infrator, a(s) infração(ões) com a descrição sucinta dos fatos e a indicação dos dispositivos legais pertinentes.


[…]

3º A notificação será expedida ao infrator por remessa postal, por meio tecnológico hábil ou por outro meio que assegure a sua ciência.


4º A ciência da instauração do processo e da data do término do prazo para apresentação da defesa também poderá se dar no próprio órgão ou entidade de trânsito, responsável pelo processo, mediante certidão nos autos.


5º Da notificação constará a data do término do prazo para a apresentação da defesa, que não será inferior a 15 (quinze) dias contados a partir da data da notificação da instauração do processo administrativo.


6º A notificação devolvida, por desatualização do endereço do infrator no RENACH, será considerada válida para todos os efeitos legais.


Não se desconhece que a Resolução 723 prevê a utilização de meios tecnológicos hábeis para a notificação, entretanto, elencou a ordem dos meios de notificação, começando pela via postal. Assim, ainda que os DETRANS argumentem que o SNE é um meio tecnológico hábil, esse não seria o meio principal definido pela Resolução 723, não eximindo da expedição da notificação via postal.


Sobre o tema, aliás, cito a decisão reiterada do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina:


REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ORDEM CONCEDIDA NA ORIGEM. PRETENDIDO AFASTAMENTO DA APLICAÇÃO DA PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO DIREITO DE DIRIGIR. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PESSOAL DA INSTAURAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO E DECISÃO QUE GEROU A PENALIDADE. ESGOTAMENTO DAS TENTATIVAS NÃO EVIDENCIADO. INTIMAÇÃO PELA VIA EDITALÍCIA QUE SE REVELA INDEVIDA. OFENSA AO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. NULIDADE VERIFICADA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. DIREITO LÍQUIDO E CERTO VIOLADO. REMESSA DESPROVIDA. (TJSC, Remessa Necessária Cível n. 5003244-06.2022.8.24.0075, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. André Luiz Dacol, Quarta Câmara de Direito Público, j. 16-02-2023).


Não há qualquer possibilidade, ao menos com base na Resolução 931, de que o SNE seja utilizado para notificar condutores a respeito da instauração do processo ou da aplicação das penalidades de suspensão ou cassação da CNH, sendo os atos praticados dessa forma ilegais, cabendo o cancelamento do processo administrativo.


Autor: VAGNER OLIVEIRA. Advogado Especialista em Direito de Trânsito. Autor do livro “Infrações de Trânsito sob a ótica do Defensor de Condutores” e “Preclusão, prescrição e decadência no Direito de Trânsito”. Professor de Direito de Trânsito.

 
 
 

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